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Mídia e Estudos Sociais da Ciência

Cidoval Morais de Sousa*

      A tradição Mertoniana da sociologia da ciência, se por um lado inova na discussão sobre descobertas múltiplas, contrariando a visão conservadora da personificação criador-produto, e no apontamento dos fatores externos que influenciam à produção científica, por outro, assume um caráter essencialmente normativo e uma pregação que não contempla aspectos importantes da realidade da construção do conhecimento. Ao defender uma ciência desinteressada, torna possível a crença na neutralidade, como se o pesquisador, ao entrar no laboratório, pudesse se despir da sua condição de sujeito social, dos seus valores, dos seus interesses profissionais, acadêmicos ou financeiros. Mas não podemos culpar Merton por essa distorção; afinal seus estudos foram – e continuam sendo – importantes para a compreensão da relação ciência, tecnologia e sociedade.
     Não é propósito deste artigo fazer uma crítica ao programa mertoniano, mas pontuar alguns aspectos, ao meu ver, importantes para uma discussão sobre o papel da ciência no nosso cotidiano. A ruptura provocada por T. Khun, na década de 1960, com seu já clássico A estrutura das revoluções científicas, coloca em xeque o processo de educação científica a partir de questões concretas como a visão cumulativa do conhecimento disseminada pelos manuais ao longo da história e, principalmente, estabelece um conceito fundamental para o entendimento da consolidação, crise e superação do que ele chama de ciência normal: paradigma. Para a sociologia, o conjunto de crenças, valores e técnicas partilhados por uma comunidade científica; para a filosofia, soluções concretas de quebra-cabeças que podem substituir as regras já estabelecidas.
     A partir da década de 1970, na Inglaterra (H.Collins, T. Pinch), na Escócia (D. Bloor, B. Barnes) e na França (B. Latour), novos programas, classificados genericamente como Estudos Sociais da Ciência, trazem à tona discussões chaves, como as controvérsias científicas, o relativismo, a teoria dos interesses, o construtivismo social, entre outros, oferecendo um novo olhar sobre à ciência e à técnica. Pela primeira vez a ciência é estudada no seu lugar de produção (laboratório) e entendida como um discurso resultado de processos complexos de negociação e busca de consenso. Quanto maior for a capacidade de articulação e formação de redes, dos atores envolvidos em determinado projeto, tanto maior será a probabilidade de se obter acordos na construção dos significados das teorias propostas. Assim, todo trabalho científico está impregnado de decisões.
     A metodologia dos estudos construtivistas, no meu entendimento, oferece uma grande possibilidade de aplicação em outras áreas. Penso, particularmente, nas pesquisas sobre as relações mídia-ciência. Nos últimos 20 anos várias dissertações de mestrados e teses de doutorados, dezenas de papers em congressos, artigos em jornais e revistas, discutiram o tratamento dispensado pela mídia aos fatos de natureza científica e tecnológica, ora enfatizando aspectos quantitativos, ora pontuando questões éticas ou de formação. Há, contudo, poucos estudos envolvendo análise de conteúdo e menos ainda descrevendo os bastidores do processo de produção da notícia científica. Entendo que tensões entre as duas comunidades (cientistas e jornalistas) podem ser analisadas com melhores resultados, se observadas no interior das redações, no ambiente onde se desenvolvem as negociações para a seleção do que vai ser publicado como notícia.
     A lógica interna das redações é consubstanciada em relações nem sempre solidárias. Decidir que tal fato é importante e que pode virar notícia não é tudo. A questão é definir o enfoque, a ênfase, o tratamento gráfico e estético, em resumo, a embalagem. Mas isso também não fecha o processo de negociação. Ainda fica em aberto o perfil do profissional que deve ir a campo gravar entrevistas, captar imagens, conduzir a produção. Os critérios de escolha nem sempre são objetivos. Dependem de uma conjunção de fatores e interesses. O processo permanece aberto, na rua e na redação. Na rua, pelas relações estabelecidas com equipamentos, ambiente, fontes, diversidade de olhares. Na redação, pelo acompanhamento, suporte técnico e operacional, apoio informacional, reavaliação de rota e monitoramento do tempo e dos interesses do veículo.
     Não acredito, particularmente, que o processo venha a se fechar. Em qualquer circunstância de produção há sempre mais de uma pessoa envolvida. Nem todos os interesses são contemplados, não há satisfação plena. A matéria pronta carrega um misto de realização e frustração, ora aparente – manifestada em discussões públicas; ora velada, a espera de uma compensação futura, ou de uma ruptura definitiva nos grupos de referência. O certo é que sempre ficam questões a serem renegociadas, cobranças, amarrações técnicas e de conteúdo, avaliações. Por isso, estou convencido de que a metodologia que deu suporte a trabalhos como Vida de Laboratório (Latour & Woolgar), pode ser adaptada e utilizada para estudar a produção jornalística, mais precisamente a produção de notícias sobre ciência e tecnologia na mídia impressa e eletrônica. O campo é rico, dinâmico e desafiador. Uma verdadeira caixa-preta.

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*Cidoval Morais de Sousa é Jornalista, professor da Unitau, Doutorando do Instituto de Geociências da Unicamp e Diretor de Jornalismo da TV Educativa Setorial.
E-mail: cidoval@uol.com.br

 
 
 
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