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Um jornalismo mais investigativo para a divulgação científica

Wilson da Costa Bueno*

      As notícias sobre lobbies e pressões de toda ordem continuam pipocando, aqui e acolá, indicando a necessidade premente de maior atenção com os grandes interesses que rondam a produção da ciência e a tecnologia e a divulgação científica (em especial o jornalismo científico).
      Infelizmente, muitos colegas e veículos que cobrem ciência e tecnologia, em particular aqueles que o fazem esporadicamente ou de maneira ingênua, não se dão conta de que esta área, como todas as outras (economia, meio ambiente e até o esporte), podem estar contaminadas por interesses políticos e comerciais poderosos.
Algumas destas notícias, todas elas recentíssimas, merecem ser aqui relatadas e deveriam provocar dos jornalistas e internautas a devida reflexão.
      Comecemos pela informação de que o último Prêmio Nobel de Medicina entregue ao alemão Harald Zur Hansen está sob suspeita, depois que se descobriu que um dos membros do júri que o concedeu faz parte do conselho diretor de uma empresa farmacêutica - a AstraZeneca. O contemplado é conhecido por seus trabalhos de investigação sobre o vírus papiloma humano (HPV), relacionado com o câncer de colo de útero, para o qual o laboratório desenvolveu vacinas com alto retorno financeiro. A empresa também patrocina o portal da web do agraciado que, segundo entendidos, tem um custo estimado em centenas de milhares de dólares. Mas não é só esta a desconfiança sobre a maior láurea científica: há suspeitas de que membros dos comitês do Nobel andaram aceitando viagens com despesas e mordomias pagas pelo governo chinês. Evidentemente, a AstraZeneca negou tudo, como tem feito sempre a Big Pharma de maneira geral, apesar do passivo ético que caracteriza os principais laboratórios farmacêuticos (se eles desejarem, a gente pode fazer um resgate aqui ou, para facilitar, podemos indicar o livro da Márcia Angell - A verdade sobre os laboratórios farmacêuticos - publicado no Brasil pela Editora Record ou mesmo um outro Crimes Corporativos, de Russel Mokhiber, editado pela  Editora Página Aberta há mais de 10 anos).
      Outra notícia refere-se à publicação de duas pesquisas  no portal da Public Library of Science Medicine (PLos) e que mereceu reportagem de Alexandre Gonçalves no Estadão de 23 de dezembro de 2008, página A11 sobre o lobby (???) da indústria tabagista na Ásia, envolvendo inclusive a OMS - Organização Mundial da Saúde. Segundo uma dessas pesquisas, a Philip Morris estaria agindo nos bastidores para influenciar políticas públicas voltadas para o combate e a regulação da indústria do tabaco e cita especificamente a Tailândia. Veja o que diz um memorando interno redigido por um funcionário da gigante do fumo: " Estou interagindo não só com o corpo diretivo do CRI (um instituto de pesquisa destinado a formar funcionários de agências reguladoras governamentais), mas também com altos funcionários do ministério (...). Penso que essa cooperação abrirá muitas portas para nós."  A outra pesquisa menciona o apoio da British American Tobacco (BAT) - aqui é a conhecida Souza Cruz - para a criação de uma organização não governamental Fundação do Fígado em Pequim (BLF). Repito agora texto da reportagem do Estadão: (...) a BLF foi criada com o apoio da BAT China em um esforço para repriorizar a agenda do Ministério da Saúde e da Fundação Soong Ching-Ling - os dois agentes antitabagistas mais ativos do país - de modo a atacar a doença infecciosa número 1 da China (a hepatite) e desviar a atenção pública da polêmica cigarro-saúde para doenças do fígado'.
      Outra notícia - e positiva desta vez - diz respeito às novas determinações da ANVISA -Agência Nacional de Vigilância Sanitária- com respeito à propaganda de medicamentos e também à relação entre os laboratórios farmacêuticos e a comunidade da saúde em nosso país. Todo mundo sabe (você, se costuma frequentar consultórios médicos e é atento, já deve ter percebido essa relação estranha, muitas vezes promíscua, entre laboratórios e determinados profissionais de saúde ) que a Big Pharma é generosa na distribuição de brindes, no pagamento de viagens e na odiosa manipulação dos pacientes pela distribuição de amostras grátis (que apenas induzem as pessoas a permanecerem fiéis a um determinado medicamento). Pois bem: a Anvisa está regulando isso, o que já é um avanço, embora sempre existirão outras estratégias para favorecer corruptores e corruptos, em especial nesta área delicada da saúde. Puxa, não sou eu quem está dizendo, mas o Cremesp, os governos (os EUA criou uma legislação mais dura a este respeito recentemente). Os laboratórios ocupam inclusive espaço importante nas escolas de Medicina e são os grandes patrocinadores de congressos, muitos deles disfarçadamente científicos.
      Finalmente, uma notícia muito mais preocupante e que evidencia o nível de comprometimento de setores industriais com o de pesquisa, divulgada pelo mesmo Estadão no dia 19 de dezembro de 2008, p. A17: o patrocínio do Instituto Brasileiro de Crisotila (IBC) no valor de um milhão de reais para um estudo (Asbestose Ambiental) que está sendo realizado por pneumologistas da Unifesp e da Unicamp que, no mínimo, sinaliza para interesses em conflito. Especialistas em Bioética e sobretudo a Associação Brasileira de Expostos ao Amianto (Abrea) reconhecem que a questão deverá ser seriamente analisada porque a indústria do amianto tem interesse nos resultados da pesquisa.  Está na reportagem do Estadão, assinada  pelo Emilio Sant' Anna, e nas declarações dos entrevistas, não estou inventando. Esta aproximação merece acompanhamento e , puxa vida, o Governo deveria, se pretende defender efetivamente os interesses da população, financiar estes estudos e pesquisas e não permitir que relações sob suspeita se estabeleçam, envolvendo instituições sérias como a Unifesp e a Unicamp (a precariedade dos investimentos em C & T não pode acomodar estas situações desconfortáveis sob o ponto de vista ético).
      A indústria do amianto tem sido agressiva no sentido de fazer valer os seus interesses,  tem gasto dinheiro para inserir matéria paga em publicações de prestígio no Brasil (ela tem o direito e reconhecemos isso), mas os dados são contundentes sobre os malefícios do amianto em todo o mundo, com proibições parciais ou totais em estados brasileiros e em vários países. Veja a respeito o documento publicado pelo INCA - Instituto Nacional do Câncer em http://www.inca.gov.br/conteudo_view.asp?ID=15. Use o Google , órgãos oficiais da área de saúde e meio ambiente, para obter maiores informações. Nem vamos aqui tomar muito tempo com este assunto porque há documentos consistentes e numerosos sobre ele (a maioria esmagadora com dados irrefutáveis sobre o caráter nefasto do amianto )  mas o que precisa ficar claro é que há muita grana em jogo , que é preciso ficar de olhos bem abertos e sobretudo não ter medo de ameaças ou pressões. Amianto faz mal e pronto, assim como agrotóxico é veneno e não remedinho para planta. E cigarro é droga e não outra coisa.
      Os jornalistas que cobrem ciência e tecnologia precisam perceber que esta área não é diferente das demais e que os interesses existem, que é preciso enxergar além da notícia e que, como temos insistido, não existe almoço grátis.
      Será fácil, para aqueles que desejarem fazer uma investigação séria - o jornalismo está precisando disso, levantar documentos, exemplos, cases que escancaram a relação promíscua, indesejável, perigosa entre as áreas de produção de ciência e tecnologia e interesses de toda ordem. Basta lembrar que os maiores investimentos em pesquisa no mundo estão voltados para a indústria da guerra, preferida de governantes como o presidente Bush e de empresas de armamentos.
       Vamos olhar com mais atenção para a indústria de biotecnologia (já percebeu que apenas uma empresa de pesquisa surge como fonte na nossa imprensa para fazer a apologia dos transgênicos?), para a indústria agroquímica, da saúde etc. E não deixe de ler O mundo segundo a Monsanto, da jornalista francesa Marie-Monique Robin, que acaba de sair pela Radical Livros, um dos melhores exemplos de jornalismo investigativo dos últimos anos. As informações surpreenderão os que acreditam na "generosidade" de algumas empresas que, mais do que sementes, cultivam uma mentalidade transgênica. Veneno puro para uma boa leitura nos feriados deste ano.

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*Wilson da Costa Bueno é jornalista, professor do programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da UMESP e de Jornalismo da ECA/USP, diretor da Comtexto Comunicação e Pesquisa.

 
 
 
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