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Neologismos, empréstimos e erudição no Jornalismo Científico

Fabiane Gonçalves Cavalcanti*

Introdução

      É por meio da imprensa escrita (jornais e revistas) que se inicia a disseminação da maioria das inovações lingüísticas, sejam elas de cunho estilístico ou lexical. No caso específico do léxico, foi assim com termos como impeachment, agriculturável, destraumatizar, conscientização, voto vinculado, entre outros, conforme exemplifica Carvalho (1987).
      Aliando este fato ao de que a área científica é hoje, devido ao desenvolvimento tecnológico e à facilidade de comunicação, a principal fonte de novas terminologias, temos no jornalismo especializado em ciência uma das áreas em que o uso de "neologismos" é, sem dúvida, mais freqüente. Isto porque é por meio das matérias especializadas que chegam até o público as descobertas científicas.
      Tendo como principal objetivo a popularização do saber da ciência, o jornalismo científico se configura na intersecção entre o erudito e o popular, ou seja, a linguagem do cientista e a jornalística.
      Nesse estudo, pretendemos apontar os neologismos e empréstimos lingüísticos utilizados em matérias sobre pesquisas científicas, bem como registrar termos eruditos e a forma como eles são "traduzidos", na tentativa de facilitar a compreensão pelo público leitor.
      Para isso, foram analisados cinco textos escritos por jornalistas e editados na revista Ciência Hoje, publicação da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) destinada ao público em geral e que tem uma configuração mista, reunindo tanto artigos de autoria de cientistas quanto matérias jornalísticas. O critério de seleção das matérias (1) foi, de certa forma, aleatório: não houve preocupação em escolher textos de uma mesma área do conhecimento ou de mesmo tamanho e o material foi selecionado após uma primeira leitura, onde observou-se quais os que continham nomenclaturas científicas e termos eruditos passíveis do tipo de análise proposta. Desta forma, obtivemos o corpus que está especificado na tabela 1 e cuja cópia dos originais se encontra nos Anexos:

Tabela 1

Texto Título
Ciência Hoje
Seção
    Número Página  
1 O hormônio do emagrecimento

114

58-59

Ciência em dia
2 Arqueologia à brasileira

97

74-75

Ciência em dia
3 Cajueiro contra leucemia

97

74

Ciência em dia
4 Em busca do eucalipto de proveta

119

73

É bom saber
5 Contra a doença de Chagas

111

51

É bom saber

      Vale destacar que a revista Ciência Hoje é dividida em várias seções. Algumas delas contêm somente artigos e resenhas de cientistas, outras apenas matérias jornalísticas (seção Ciência em dia) e outras ainda textos escritos tanto por jornalistas quanto por cientistas, como é o caso da seção É bom saber. Também não foi levado em consideração o nome dos autores dos textos.

Fundamentação Teórica

      Para a nossa análise é de fundamental importância a conceituação dos três pontos observados no corpus: neologismos, empréstimos lingüísticos e termos eruditos.

Neologismos

      No processo da constante, gradual e lenta mudança lingüística (FARACCO, 1991), a língua, reflexo das atividades humanas, perde e adquire novos termos. As palavras que são criadas para nomear as inovações nos diversos ramos da atividade humana - seja arte, técnica, ciência, política ou economia - são denominadas neologismos - do latim, neo (novo), e do grego, logos (palavra) -, como explica Carvalho (1987: 8).
      Os neologismos são a mostra mais patente da mudança na língua, processo que passa muitas vezes desapercebido pelos seus usuários - falante/escritor, leitor/ouvinte. No desenrolar deste processo constante de mudança, os neologismos vão caindo no uso comum, popularizando-se. Assim aconteceu com termos como hipermercado, biologia, bóia-fria etc.
      Conforme Câmara Júnior (1979: 211), a criação de novas palavras no português se dá por composição - associação entre duas palavras em que cada uma conserva a sua individualidade mórfica na sua flexão característica - e derivação - em que o sufixo de uma palavra passa a ser aplicado a outras palavras, de onde se retiram novas estruturas léxicas, porém mantendo a significação básica da palavra de que derivam. A formação de novas palavras em locuções, que Câmara Jr. (1979) inclui na característica da composição, Vidossich & Furlan (1995: XVIII) apresentam em separado, salientando que elas envolvem ainda a criação de siglas (acrônimos).
      Na área técnica, o neologismo nomeia realidades recém-criadas, evitando confusões e determinando finalidades. A entrada de termos referentes às ciências e tecnologias no vocabulário brasileiro foi maior do que em relação a todas as demais áreas do conhecimento, conforme atesta o lingüista Antônio Houaiss, da Associação Brasileira de Letras (apud CARVALHO: 1987, 38). Para esta autora, isso demonstra serem estes termos - cuja divulgação inicial se dá geralmente por meio de livros, revistas especializadas e comunicados - o ponto convergente do interesse das sociedades hoje.

Empréstimos

      Além da criação de novos termos dentro da própria língua, a renovação lexical se dá ainda pela adoção de termos provenientes de outras línguas: os empréstimos lingüísticos. Segundo Carvalho (1987: 55), os empréstimos são neologismos por adoção, ou seja, a palavra estrangeira que é incorporada à língua.
      "O empréstimo tem sua origem no momento em que objetos, conceitos e situações nomeados em língua estrangeira transferem-se para outra cultura" (CARVALHO: 1989, 42). Mas esta transferência não se dá bruscamente, isto porque os falantes da língua receptora "resistem no primeiro momento, porque seus hábitos fonéticos e a correlação habitual entre os fonemas e sua transcrição (no caso da língua escrita) criam dificuldades à importação do termo" (op. cit.: 42).
      A incorporação destas palavras ao léxico, entretanto, segue um processo gradual - hoje já nem tão lento por causa da disseminação das novas tecnologias comunicacionais, haja vista a Internet, maior rede de comunicação via computador no mundo. De acordo com Carvalho (1987: 56), na primeira fase do processo de adoção, a "palavra emprestada" é definida como estrangeirismo ou peregrinismo, conforme preferem os puristas - ex: cartoon. Ela só será considerada empréstimo posteriormente, quando adotada verdadeiramente pela integração na forma da língua e pelo uso corrente entre os falantes, passando então a não ser notada como um termo estrangeiro. Assim, sua a grafia é "aportuguesada" - tomando o exemplo anterior, cartum. Se o termo "importado" permanece com sua grafia original, mesmo sendo muito usado, será denominado de xenismo (xenos - radical grego que significa estrangeiro).
      Essas fases acontecem de maneira imperceptível, de forma que os estrangeirismos caem no uso da língua, sendo a sua transformação em empréstimo ou em xenismo determinada por fatores pragmáticos. Para Carvalho (1989: 58), a imprensa "é a via de acesso mais corrente para os empréstimos".
      As línguas latinas, em especial o português e o espanhol, de acordo com Carvalho (1989: 57) são forçadas a adotar novos termos para nomear realidades que nasceram fora de suas fronteiras. A razão disso é que a evolução das ciências se dá mais rápido nos países mais desenvolvidos, que exportam o saber para o restante do mundo.
      Dados apresentados por Carvalho (1989: 57) mostram que o acervo lexical da língua portuguesa - 150.000 verbetes registrados no Dicionário Aurélio - poderia ser aumentado para 400.000 ao se incluírem as terminologias especializadas das modernas tecnologias.
      No caso das terminologias (que acompanham a transferência de tecnologia), sua divulgação se dá por meio da língua escrita, em livros, revistas, comunicados, manuais de instrução de novos equipamentos e de matérias do jornalismo especializado ou não. Carvalho define terminologia como "vocabulário que serve para definir, relacionar ou conceituar termos técnicos empregados em um determinado setor de atividade, visando ao estabelecimento de uma linguagem uniforme, com o uso de termos monossêmicos" (1989: 58).
      Antes de atingir o grande público, entretanto, as terminologias são transmitidas pela línguas escrita a um público pré-determinado. Depois alcançam um número maior de leitores, porém ainda especialistas no tema, nas revistas especializadas. "A terminologia estrangeira chega ao falante comum, a princípio pela língua escrita" (Op. cit., 61), por meio de jornais e revistas de grande tiragem.
      Pela grande quantidade de empréstimos registrados na língua portuguesa e certamente encontrados nas matérias jornalísticas, salientaremos na análise do corpus apenas os xenismos e os empréstimos que apresentem importância no contexto deste estudo, i.e., no jornalismo especializado em ciência. Já as terminologias serão enquadradas como termos eruditos especializados, classificação que melhor se adequa aos nossos propósitos de análise.

Termos eruditos

      O português, assim como as demais línguas românicas, foi formado a partir do latim popular, o latim falado pelo povo. No entanto, além das palavras que chegaram oralmente, foram introduzidos termos no português (e nas línguas românicas em geral) de uma maneira "artificial", conforme consideram Cardoso & Cunha (1978: 132), por meio das obras dos escritores. São as palavras hereditárias que, segundo estes autores, são a porção do léxico "que representa, além do fundo sobrevivente, a contribuição do substrato e do superestrato porventura nele incorporados". (op. cit.: 133).
      Ainda de acordo com Cardoso & Cunha (1978), as palavras hereditárias no português são, não somente as que vieram do latim, mas também as que resultaram das contribuições pré-românicas (elementos ibéricos, célticos, gregos e fenícios) e pós-românicas (elementos germânicos e árabes).
      Carolina Michaëlis de Vasconcelos - no artigo "A formação da língua portuguesa", reproduzido por Cardoso & Cunha (1978: 146-148) - também chama atenção para o fato de, apesar do português descender do latim vulgar, constarem em seu léxico palavras literárias, também denominadas cultas ou eruditas. São as palavras retiradas das obras de autores clássicos ou do dicionário latino, "muitas vezes com acepção imaterial, e que apesar da sua construção complicada não sofreram as alterações fonéticas a que estavam sujeitas se entrassem cedo na boca do vulgo" (op. cit.: 147). Câmara Jr. corrobora com esta informação, afirmando que foram poucas as inovações fonológicas que estes termos trouxeram. (1979: 190)
      Este autor lembra que as palavras do latim popular eram "cuidadosamente" evitadas na língua clássica. Do chamado latim clássico, derivaram no português moderno os termos eruditos que têm participação notada sobretudo no vocabulário utilizado nas diversas áreas do conhecimento, científico ou não, ou seja, pelo intelectuais e cientistas, como é possível observar nos exemplos na tabela 2, a seguir:

 Tabela 2

Latim vulgar
Português
Latim clássico
Português

caballus

cavalo

equus

eqüino, eqüestre, equitação

cattus

gato

felis

felino

casa

casa

domus

domicílio

jocus

jogo

ludus

lúdico

apprendere

aprender

discere

disciplina, disciplinar, discente

bibere

beber, bebida

potare

potável

grandis

grande, grandeza

magnus

magno, magnitude

      Conforme os exemplos acima, é possível notar que dos termos do latim popular muitas vezes derivaram os substantivos e verbos, enquanto do seu equivalente no latim clássico, formaram-se palavras que designam o conjunto de ações relativas aquele substantivo. Consideraremos pois, neste estudo, os termos eruditos relativos à área especializada da ciência enfocada na matéria e os termos eruditos não-especializados.

Análise do corpus

      Um dos pontos mais interessantes de se observar no texto 1 (O hormônio do emagrecimento) é como se dá a introdução do neologismo "leptina" na matéria:
      "Cientistas dos EUA descobriram um hormônio do emagrecimento, uma substância tão fundamental no funcionamento do corpo humano que, provavelmente, vai ser logo incorporada à lista de hormônios que o estudante de segundo grau precisa decorar.
      O hormônio foi batizado de leptina (a partir do grego leptós, magro, delgado), nome que já vale a pena guardar para poder acompanhar as pesquisas feitas com a substância..."
      O novo termo, que serve para nomear a substância descoberta pelos cientistas, é apresentado de forma atraente no primeiro parágrafo da matéria, aguçando a curiosidade do leitor e amenizando o "impacto" que a utilização de neologismos comumente traz. No segundo parágrafo, utiliza pela primeira das 23 vezes em que a palavra aparece no texto, o termo leptina, mostrando inclusive como foi formado a partir do grego e ressaltando a importância de se "guardar" o nome.
      O neologismo leptina (que ainda não consta no Dicionário Aurélio) é um empréstimo do inglês norte-americano, onde é escrito da mesma maneira, o que vem a ratificar a opinião de Cardoso (1987), de que os novos termos da linguagem técnico-científica são geralmente internacionalizados. "Com a finalidade de serem adotados em países de idiomas diversos, são estes neologismos criados por homens eruditos com radicais gregos e latinos para suprir a falta de denominação aprofundadas para os produtos novos" (CARDOSO: 1987, 33-34).
      A mesma autora acrescenta, em obra de 1989, que "há transferência de terminologia (empréstimo lingüístico, portanto) cada vez que noções denominadas numa língua ou cultura particular são emprestadas diretamente ou traduzidas de outras línguas e culturas" (pp. 74).
      Outro neologismo encontrado no texto 1 (neste caso não propriamente um empréstimo) é o termo "gordurômetro", no sexto parágrafo, que designa "os receptores que medem a quantidade de leptina existente no sangue". O termo foi criado possivelmente por analogia aos instrumentos utilizados para medir, como hidrômetro, termômetro, tensiômetro etc., assim como foi criado "bafômetro", o conhecido equipamento que mede o teor alcóolico no organismo, muito utilizado nas blitze policiais nas estradas.
      Entre os empréstimos lingüísticos, observamos no texto 1 os termos "royalties", "overdose" (xenismos) e "gene obeso" (em inglês obese), como pode ser observado na tabela 3. Overdose é registrada no Dicionário Aurélio como uma palavra inglesa que significa "dose excessiva, em geral de tóxico (superdose)". A palavra royalty, também do inglês, é definida no dicionário como "comissão estabelecida em contrato entre proprietário e usuário duma patente industrial ou marca de fantasia, entre o editor e o autor de uma obra literária, etc, para fim de sua comercialização".
      A não-utilização de termos mais populares ligados ao tema obesidade/emagrecimento - como gordo ou gordinho - denota, a nosso ver, uma preocupação em manter a linguagem com tendência ao erudito neste texto. São muitos os termos desta classificação que podem ser notadas no texto 1, tanto especializados quanto não-especializados. Entre eles podemos citar "anorexígenos", "sobrecarga adiposa", "patamar" e "deposição", que poderiam ser facilmente substituídos por emagrecedores, excesso de gordura, nível e acúmulo, respectivamente. É evidente que observações como esta não devem ser consideradas uma crítica à escolha lexical do autor da matéria, mas apenas como observações que poderiam contribuir para a tentativa de tornar o texto mais simples.
      No caso de "anorexígenos" (2º parágrafo), é possível inferir seu sentido (mesmo sem estar "traduzido") pela informação, contida no texto, de que ele faz parte do rol dos produtos dietéticos:
      "... substância, que em poucos anos poderá abalar para sempre a bilionária indústria dos dietéticos, anorexígenos e afins"
      Em geral, o uso de termos eruditos especializados exige anterior ou posteriormente uma explicação que facilite a apreensão do seu sentido como o termo "ensaios clínicos" (4º parágrafo) que é explicado em seguida por "(testes em seres humanos)". Já "atividade celular" (5º parágrafo) vem precedida da informação de que se trata de uma função fisiológica. Outra forma interessante de se apresentar um termo ocorre no 7º parágrafo com "beta-3":
      "... o primeiro gene causador da obesidade humana, que recebeu o nome de beta-3"

Tabela 3

Texto 1 - O hormônio do emagrecimento 
Parágrafo
Neologismos
Empréstimos
Termos ou expressões eruditos
   especializadosnão - especializados
  hormônio

hormônios

 
leptina (2X) hormônio

anorexígenos

sistema energético do corpo

sobrecarga adiposa

 

 

leptina (3X)  obesidade

deposição

patamar

leptina (2X)royaltieshormônio

ensaios clínicos

biotecnologia

ensaios clínicos

aporte
leptina (7X)gene obeso (2X)

overdose

mutação

gene

proteína (2X)

mutantes (2X)

hormônio

funções fisiológicas

atividade celular

obesos
leptina (5X)

"gordurômetros" (4X)

 células de gordura

corrente sangüínea

cérebro (2X)

estruturas do sistema nervoso

mutantes

hormônio

receptores (2X)

obeso

migre

aporte

inanição

leptina (3X)gene obeso (2X)mutação

obesidade (2X)

beta-3 (2X)

gene

genes

 
leptina  toxidade

      No texto 2 (Arqueologia à brasileira), antes de utilizar a expressão neológica "técnica em xadrez" (segundo parágrafo), o autor apresenta no primeiro os resultados obtidos com esta nova técnica. É um recurso que, a exemplo do texto 1 (no caso da leptina), atende ao requisito de amenizar o impacto de novas terminologias e tornar atraente o texto jornalístico, convidando o leitor a "descobrir" estes novos termos e facilitando a sua compreensão. Apesar disto, fica difícil compreender visualmente como se processa a técnica em xadrez. Entretanto este é um detalhe cuja análise mais aprofundada foge aos objetivos deste trabalho.
      É importante enfatizar que não foram registrados, neste texto, empréstimos lingüísticos de relevância para a nossa análise. Observamos no texto 2 o uso de termos eruditos especializados sem a devida explicação, como "estratigrafia" (2º parágrafo) e "lascamento" (7º parágrafo). O termo estratigrafia - que, de acordo com o Dicionário Aurélio, significa "estudo da seqüência, no tempo e no espaço, das rochas da litosfera" - só é explicado no 5º parágrafo, de forma indireta, conforme é possível conferir na parte salientada do texto:
      "... Essa técnica deixa testemunhos, paredes de muros de terra que representam a estratigrafia. Ou seja, indica como no decorrer de milênios, os sedimentos foram se depositando no local."
      "Lascamento" (7º parágrafo) é um neologismo criado a partir do verbo lascar (partir, fazer lascas) e não é dicionarizado. Já o termo "indústria lítica" (7º parágrafo) é seguido da explicação entre parênteses: "instrumentos de pedra lascada". Lítica, segundo o Aurélio, é um adjetivo que vem do grego lithikos e é relativo à pedra.
      A nosso ver, o uso de várias palavras eruditas tornou este texto árido ao público em geral. Registramos termos como "contíguos" (2º parágrafo); "feitores" (7º parágrafo), no sentido de `quem fez’; "disposição dos vestígios" (2º parágrafo); "sedimentos" (5º parágrafo); "especificidades" (2º parágrafo); entre outros, como pode-se conferir na tabela 4.

Tabela 4

Texto 2 - Arqueologia à brasileira
Parágrafo
Neologismos
Empréstimos
Termos eruditos
   
especializados
não - especializados
  escavação arqueológica

pedra lascada

pinturas rupestres

vestígios
técnica em xadrez estratigrafiacontíguos

especificidades

disposição dos vestígios

técnica do xadrez base rochosa

escavação

 
    
  Método de Wheeler

escavação em caixas

estratigrafia

sedimentos

 

 

  pinturas rupestres

Tradição Agreste (2X)

Tradição Nordeste

 
lascamento lítica

lascamento

feitores
  escavaçãovestígios

época de procriação

   dissertação

mestrado

      Na matéria Cajueiro contra leucemia (texto 3), verificamos que, ao contrário dos textos 1 e 2 - onde os neologismos são precedidos de explicação/apresentação -, o termo especializado é introduzido primeiro, antes da explicação. Podemos observar no parágrafo 1:
      "O óleo da castanha de caju pode ser matéria-prima para a síntese da lasiodiplodina, substância já conhecida por atuar contra a leucemia (câncer de sangue).[...] estudos sobre a extração da substância a partir de um tipo de ácido, o anacárdico, encontrado no óleo."
      Neste trecho é possível conferir que o termo "lasiodiplodina" (que não consta no Dicionário Aurélio) é identificado apenas como "substância" e em seguida é salientada a sua função. É também uma forma de "explicar" o termo especializado, reduzindo o seu impacto. Observamos ainda que o termo "leucemia" vem seguido da sua explicação ipsis literis: câncer de sangue (no Dicionário Aurélio sua definição é bastante confusa). Outra forma interessante de apresentar um termo erudito é a utilizada para introduzir "anacárdico" (cf. trecho acima) como "um tipo de ácido". Esta palavra não consta no Dicionário Aurélio, entretanto encontramos anacardiáceas, termo da área de botânica que denomina uma família de árvores que inclui as espécies dos cajueiros, sendo inclusive o caju denominado, na explicação, de anacardium.
      Os termos "cardol e cardanol" (palavras que também não foram encontradas no Dicionário Aurélio) são introduzidos de maneira suave, sem a necessidade de maiores explicações (2) , como se pode observar no trecho abaixo transcrito do 3º parágrafo do texto 3:
      "... óleo da castanha de caju, que é composto basicamente de ácido anacárdico e mais duas substâncias: cardol e cardanol".
      É interessante a explicação prática de "ácido salicílico" no 4º parágrafo: "substância da qual é feita a aspirina". Também no 4º parágrafo registra-se a utilização da palavra "análogo" enquanto substantivo e não adjetivo, o que a torna um termo erudito especializado que, de acordo com o Dicionário Aurélio, vem do grego análogos, pelo latim analogu, significando "equivalente". O termo especializado "fenol" é explicado no 6º parágrafo como "(tipo de álcool)".
      Outro trecho curioso é o seguinte, extraído do 7º parágrafo: "A verdadeira fruta do cajueiro é a amêndoa e não, como se pensa, o pendúculo hipertrofiado." Ora, o "pendúculo hipertrofiado", ao qual tão erudita e especializadamente o autor se refere, nada mais é o gomo ou a polpa do caju, o que denota a preferência neste texto de se utilizar termos mais especializados e eruditos, seguindo a linha da linguagem da ciência.
      Não verificamos no texto 3 neologismos ou empréstimos dignos de registro importante para esta análise, como mostra a tabela 5 na página seguinte.

Tabela 5

Texto 3 - Cajueiro contra leucemia
Parágrafo
Neologismos
Empréstimos
Termos eruditos
especializados
não - especializados
  síntese

lasiodiplodina

leucemia

ácido

anacárdico

 
  lasiodiplodina

sintetizada

síntese

sintetizada

drástico

  síntese

lasiodiplodina

ácido anacárdico

cardol

cardanol

 
  análogo (2X) 
  fungicida

patenteados

patente

componente
  fenolefeito cáustico
  pendúculo hipertrofiado (2X) 

      No texto 4 (Em busca do eucalipto de proveta), observamos a larga utilização de termos ligados à biotecnologia e genética, ciências em alta atualmente, e em cujas áreas é desenvolvida a pesquisa apresentada no texto. Registramos o neologismo "transgênicas" (3º parágrafo) - palavra não-dicionarizada -, seguido de nenhuma conceituação. Entretanto é possível entender que se trata de "plantas geneticamente modificadas", já que esta última expressão é utilizada como seu sinônimo, como se pode observar no texto transcrito abaixo:
      "... serão obtidas, por clonagem, as plantas transgênicas. As variedades geneticamente modificadas ainda terão que passar por testes de campo..."
      Registramos, entre os empréstimos lingüísticos no texto 4 os termos "clonagem", "clone" e "performance", este último um xenismo que significa, segundo o Dicionário Aurélio, "atuação, desempenho (especialmente em público)". Os dois primeiros termos são "traduzidos" seguindo a receita comum que já mencionamos, ou seja, com o termo mais simples (ou explicação) precedendo a palavra erudita para amenizar o seu impacto. Assim, figura no 2º parágrafo: "regeneração (clonagem)" e "novas plantas - clones". No Dicionário Aurélio clone é definido como palavra formada do grego klón "broto", significando o "conjunto de indivíduos originários de outros por multiplicação assexual (divisão, enxertia, apomixia, etc). [Todos os membros de um clone têm o mesmo patrimônio genético]". Como se pode observar, a explicação na matéria para clones ("novas plantas"), mesmo sem descer aos detalhes da conceituação, não deixa de ser verdadeira e atende ao que é necessário explicitar no texto.
      Já o termo "clonagem" aparece no texto como sinônimo de regeneração, o que parece fugir ao seu conceito, pelo menos o que consta no dicionário: "1. Processo de obtenção de um clone. 2. Introdução de um fragmento do material genético de uma célula em outra célula que passa a possuir e a multiplicar a informação genética contida no fragmento introduzido; engenharia genética".
      Entre os termos eruditos especializados, destacamos a boa explicação para "lignina" (1º parágrafo: "carboidrato responsável pela dureza dos tecidos vegetais, principalmente troncos". Ainda assim como "carboidrato" não está explicado, não faria diferença (e até poderia ficar mais inteligível) se esta palavra fosse substituída por "substância". Em Vidossich & Furlan (1995), lignina é definida como "polímero natural que está presente nas árvores juntamente com a celulose. Componente essencial da madeira. Nas madeiras moles, participa com cerca de 25% contra 60% de celulose, ao passo que, nas madeiras muito duras, por ex. O ébano, chega à casa de 50%." (pp.167).
      No 3º parágrafo, o texto menciona "acelerador de partículas" sem, entretanto, dizer de que se trata. Explicação muito boa também é encontrada neste parágrafo para o termo "calo", definido como "uma massa de células que cresce como um tumor".
      Também são preferidos dois termos eruditos em lugar de equivalentes populares. São eles, "teor" (3º parágrafo), que pode ser substituído por quantidade, e "rejeito", por lixo. Registramos no texto 4 (tabela 6, abaixo) o uso de nomes científicos, pela primeira vez no corpus. Estão no 5º parágrafo: "Eucalyptus grandis" e "Eucalyptus urophylla". Apesar da freqüência de termos eruditos nesta matéria, sua construção se dá de maneira simples com estas palavras apresentadas de com bastante clareza, tornando o texto de fácil compreensão pelo público geral.

Tabela 6

Texto 4 - Em busca do eucalipto de proveta
Parágrafo
Neologismos
Empréstimos
Termos eruditos
especializados
não - especializados
  celulose (3X)

lignina

carboidrato

árvores modificadas geneticamente

 
 clonagem

clones

clonagem

clones

tecido

lenhosas

 
 

 

 

 

 

 

transgênicas

 

 

 

 

 

clonagem

lignina

variedades geneticamente modificadas

gene (2X)

vetor

acelerador de partículas

calo

clonagem

transgênicas

bactéria

teor
vetor
    celulosematerial biológico
 

 

 

 

 

transgênicas

performanceEucalyptus grandis

Eucalyptus urophylla

lignina

cancro

hidróxido de sódio

sulfeto de sódio

transgênicas

celulose

rejeito (2X)

insumos químicos

      Já no texto 5, encontramos um nome científico logo na segunda linha do primeiro parágrafo: "Trypanosoma cruzi", conceituado como "causador da doença de Chagas". No 2º parágrafo, observamos a expressão "cadeia glicolítica" e "glicose", termos eruditos especializados que são apresentados de uma forma bastante clara, como é possível conferir no trecho que transcrevemos abaixo:
      "... é a cadeia glicolítica, processo em que a glicose (um açúcar) é quebrada por meio de uma série de reações"
      O mesmo ocorre para o termo "glicólise" (3º parágrafo): "Em geral, a quebra da glicose, também chamada glicólise, ocorre ..." . O nome científico "T. brucei" (3º parágrafo) é conceituado à semelhança do "Trypanosoma cruzi" do 1º parágrafo: "(causador da doença do sono)". Registramos também uma explicação satisfatória para "glicossomo", no 3º parágrafo: "uma organela dentro da célula que tem concentrações altas das enzimas responsáveis pela glicólise, aumentando a eficiência do processo". Ainda assim registramos a presença de termos específicos nesta explicação, a exemplo de "organela" e "enzimas".
      A referência às siglas técnicas utilizadas no texto 5 também é feita de forma bastante clara, como pode-se observar nesta transcrição do 7º parágrafo:
      "A enzima escolhida para estudo foi a gliceraldeído-3-fosfato desidrogenase (GAPDH). Esta depende de uma molécula, a NAD (nicotinamida adenina dinucleotídeo),..."
      Neste texto, observamos, como mostra a tabela 7 a seguir, o uso de uma grande quantidade de termos eruditos especializados, além de sua freqüente (quase excessiva) repetição, a nosso ver, um dos fatores que podem tornar a matéria cansativa ao público leitor. É importante salientar que, assim como no texto 3, também não registramos no texto 5 neologismos ou empréstimos dignos de análise sob a nossa perspectiva.

Tabela 7

Texto 5 - Contra a doença de Chagas
Parágrafo
Neologismos
Empréstimos
Termos eruditos
especializados
não - especializados
  Trypanosoma cruziciclo vital
  T. cruzi

cadeia glicolítica

glicose

parasita

 
  glicose

glicólise (2X)

citoplasma

T. brucei

T. cruzi

glicossomo

organela

enzimas

 
  enzimas glicolíticas

T. brucei

glicossomo

 
  enzimas glicolíticas

parasita

T. brucei

enzimas

 

 

  molécula

cristalografia de raios X

modelagem molecular

tridimensional
  enzima

gliceraldeído-3-fosfato desidrogenase (GAPDH)

molécula

NAD (nicotinamida adenina dinucleotídeo)

catalisar

parasita

moléculas

cinética de ligação

enzima

parasita

 

 

 

 

 

catalisar

  GAPDH

enzima

moléculas

complementariedade química e espacial

sítio de ligação

NAD

inibidores

via glicolítica

técnicas computacionais
  inibidores

T. brucei

moléculas

GAPDH

parasita (2X)

enzima (2X)

enzimas

 
10º  enzima (2X)

parasita

inibidor

tridimensionais

Conclusão

      Constatamos no corpus analisado que a utilização de termos da linguagem erudita da ciência é uma constante nas reportagens científicas. É natural que, ao falarmos ou escrevermos sobre determinado assunto, utilizemos um vocabulário inerente a esta área. No caso do jornalismo científico, as fontes de informação para a matéria são na maioria das vezes os cientistas, cuja linguagem reproduz a erudição inerente à ciência.
      Torna-se imperioso, no entanto, que este vocabulário erudito não chegue a comprometer a compreensão do texto pelo público leitor não-especializado. É preciso que o jornalista tenha em mente, como lembra Carvalho (1987) que na imprensa a linguagem rebuscada é "substituída pela simplificação, a serviço de uma maior comunicabilidade". Portanto, deve-se primar por explicações claras, concisas e que não fujam da correção científica.
      Também observamos no corpus que o uso de neologismos e empréstimos é freqüente, confirmando a opinião de Carvalho (1987) e Vidossich & Furlan (1995) de que área científica e tecnológica é um portão de entrada para os novos termos na língua, já que introduzem novos equipamentos, teorias e conceitos que necessitam ser "batizados". Assim, as matérias de divulgação científica tornam-se o veículo que leva o público a tomar seus primeiros contatos com estas novas terminologias.

Observações da autora no texto

1) Os termos "matéria", "reportagem" e "textos", embora não necessariamente signifiquem a mesma coisa, são utilizados como sinônimos neste trabalho.

2) Este é um ponto, aliás, em que cientistas e jornalistas freqüentemente discordam no que diz respeito à reportagem no jornalismo científico. Os primeiros querem que tudo seja explicado com detalhes, seguindo a metodologia científica a que estão acostumados, enquanto que para os segundos o que importa é a informação concisa e clara, porém nem sempre detalhada, geralmente em função do escasso espaço para estas matérias em jornais e revistas, conforme registra Cavalcanti (in INTERCOM: 1995, 140-151).

Bibliografia

CARVALHO, Nelly. Empréstimos lingüísticos. São Paulo: Ática, 1989. 84p..

CARVALHO, Nelly. O que é neologismo. São Paulo: Brasiliense, 1987. 75p.

CÂMARA JÚNIOR, Joaquim Mattoso, História e estrutura da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Padrão, 1979. 2ª ed. 264 p.

CARDOSO, Wilson & CUNHA, Celso. Palavras hereditárias e palavras de empréstimo. In: Estilística e gramática histórica; português através de textos. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1978. pp. 127-200.

CAVALCANTI, Fabiane M. C. G. Jornalistas e cientistas: os entraves de um diálogo. In: INTERCOM - Revista Brasileira de Comunicação. São Paulo: Vol. XVIII, nº 1, jan/jun 1995. pp. 140-151.

FARACCO, Carlos Alberto. Lingüística histórica. São Paulo: Ática, 1991. 136 p.

HOLANDA, Aurélio Buarque de. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. 2ª ed. São Paulo: Nova Fronteira, s.d.

VIDOSSICH, F. & FURLAN, O. Dicionário de novos termos de ciências e tecnologias: empréstimos, locuções, siglas, cruzamentos e acrônimos. São Paulo: Pioneira, 1995. 357p.

TARALLO, Fernando. Tempos lingüísticos; itinerário histórico da língua portuguesa. São Paulo: Ática, 1990. 208 p.

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OBS: Monografia apresentada na disciplina Lingüística Histórica em 1996, durante o mestrado em Linguística na Universidade Federal de Pernambuco.

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*Fabiane Gonçalves Cavalcanti é subeditora de Ciência/Meio Ambiente do Jornal do Commercio, Recife/PE, mestre em Linguística pela Universidade Federal de Pernambuco.

 
 
 
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