Volume 1
Número 1

20 de dezembro de 2004
 
 * Edição atual    
Documento sem título

          Em nome da Ciência

Cidoval Morais de Sousa*

          Sempre soube que a Ciência tem múltiplas faces, como quase tudo nesse mundo. No entanto, nunca me preocupei em investigar, mesmo como jornalista, o universo obscuro das experimentações científicas, particularmente aquele que contempla o uso de cobaias humanas, voluntárias ou involuntárias, e que envolve dor, sofrimento, ambições, e, sobretudo, atentados à ética, altas somas investidas pela indústria farmacêutica, e cujos resultados nem sempre "compensam" os danos causados à vida.

          Um livro que acaba de chegar às livrarias – Cobaias Humanas , de Andrew Goliszek, um biólogo, especialista em pesquisa biomédica e professor de biologia da Universidade Estadual A&T, da Carolina do Norte, traz informações, até bem pouco tempo secretas, sobre experimentos com cobaias humanas realizados nos últimos 50 anos, nos Estados Unidos e no mundo.

          Não dá para fazer uma resenha neste espaço, mas, para os curiosos é importante destacar que o autor documenta pesquisas com armas químicas, experimentos de radiação, programas da CIA de modificação do comportamento e controle da mente, esforços inescrupulosos de testar produtos inócuos para promover empresas, descreve a origem sinistra de programas eugênicos, expõe a agenda dos EUA de controlar a indústria farmacêutica e a assistência médica global e analisa os avanços na área de engenharia genética.

          Para cada uma dessas investidas da ciência, o autor denuncia dezenas de experimentos, que resultaram em mortes, mutações genéticas, amputações, aberrações sinistras, e, com farta documentação, prova que, nem sempre, o desenvolvimento da ciência se fez acompanhar de uma compreensão mais ética da vida e do mundo. Por traz de cada experimento está não apenas a busca de prestígio e reconhecimento acadêmico, mas, principalmente, a mão invisível do mercado querendo tirar proveito das desgraças humanas.

          Não é um livro de ficção, mas, por suas minúcias, aproxima de nós narrativas como a de Huxley, em Admirável Mundo Novo, em que indivíduos de todas as castas recebiam uma droga chamada soma para garantir que ninguém nunca tivesse dor, nem se sentisse infeliz. Desde o momento da fertilização do óvulo ele é condicionado a se tornar parte da Utopia. A sociedade é governada pela Ciência e pela Tecnologia. Os bebês são produzidos em massa, sem espaço para a vida familiar, sentimentos ou emoções. Algo parecido, também, com Inteligência Artificial.

          Também nos aproxima de H. G, Wells, com sua Ilha do Dr. Moreau, que muitos devem lembrar, mais pelo filme do que pelo livro, onde o náufrago Edward Prendick tropeça em criaturas monstruosas – metade homem, metade animal, "brinquedos" de um médico sem pudor, que não pensa duas vezes ao afirmar que "o estudo da natureza torna um homem finalmente tão sem remorsos quanto a natureza". O tema foi repetido, mais recentemente, por Michael Crichton, em Parque dos Dinossauros, que também só veio a público pelas mãos mágicas de Spielberg.

          Goliszek afirma que com os avanços na medicina e no DNA recombinante e com a conclusão do Projeto Genoma Humano, estamos à beira de descobertas que, alguns temem, tornarão real a ameaça de controle populacional, guerra gênica, limpeza étnica ou algo muito pior. Segundo ele, o admirável mundo novo de Huxley e a ilha vulcânica de Wells já não são mais ficção. A genética molecular tem sido responsável, nos últimos anos, segundo o autor, pelas experiências mais assombrosas, que tem tornado possível a clonagem, inclusive de seres humanos.

          Aquilo que antes considerávamos impossíveis, diz ele, agora são trivialidades. E a menos que consideremos as conseqüências da pesquisa futura sem freios, nosso ímpeto pela descoberta científica poderá muito bem nos levar até o nosso próprio Parque dos Dinossauros. A melhor maneira de garantir que tal fato não aconteça, explica, é expor a verdade e aprender com o passado.

          Cobaias humanas. Andrew Goliszek.

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Cidoval Morais de Sousa
Jornalista, professor de Sociologia da Universidade de Taubaté (SP), Doutorando em História e Ensino de Ciências pela Unicamp (IGE) e Diretor Acadêmico da ABJC.

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