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A classe médica vai para a UTI: o Raio X de uma imagem desgastada

Wilson da Costa Bueno*

      Basta uma olhada ligeira, nos nossos principais jornais e revistas, a qualquer tempo, para se chegar à conclusão de que alguma coisa não anda bem para os lados da Medicina (e dos médicos de maneira geral) em nosso País. Tomemos, por exemplo, aleatoriamente, o período de 25 de julho a 2 de agosto de 1995. As notícias chegam a assustar.

       Vamos a elas:

a) o presidente do Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro (CREMERJ) Mauro Brandão Carneiro, divulga lista de 19 médicos, a maioria ex-diretores de hospitais públicos, que deverão ser processados, e provavelmente impedidos de continuar exercendo a profissão, por terem provocado um prejuízo de 6 milhões de reais aos cofres públicos em 1994 (1);
b) o médico pediatra Ronaldo Fiore, do Hospital Regional de Ferraz de Vasconcelos, município da Grande São Paulo, denuncia a morte de mais de 200 pessoas, nos últimos dois anos, em função de "falhas na estrutura hospitalar", inclusive negligência ou imperícia médica (2);
c) o conhecido médico carioca Nelson Senise, em artigo publicado no Jornal do Brasil, sob o título Emergências Sinistras, adverte para o risco que correm pessoas que são obrigadas a recorrer ao serviço de emergência dos nossos hospitais, pois, quase sempre, ficam à mercê de jovens médicos que se enquadram num dos três seguintes tipos: incompetente, desinteressado e auto-suficiente. Ao final do seu artigo, de maneira contundente, Nelson Senise conclui: "As pessoas que recorrem aos setores de emergência são seres humanos, não são cobaias para os experimentos de médicos imaturos, vaidosos e ambiciosos que, numa ausência total de ética, aproveitam-se da situação emergencial para tentar conquistar clientes de colegas. Não são médicos. São comerciantes de ocasião"(3);
d) o médico Valdemar José Ferreira, de Santa Catarina, foi condenado a um ano de trabalho gratuito num hospital de Blumenau por ter causado a morte de uma paciente, ao esquecer uma compressa de gaze dentro de seu abdômen. (4);
e) segundo Ursula Arens, nutróloga da Fundação Britânica de Nutrição, informações contraditórias sobre a relação entre determinados alimentos e saúde (ou a doença), divulgadas pelos meios de comunicação, estão confundindo as pessoas, impedindo-as de tomar decisões corretas. E dá alguns exemplos: o que é melhor - manteiga ou margarina?; o café é bom porque protege contra o câncer ou é ruim porque eleva a pressão arterial? ; bebida alcoólica faz mal, mas por que o vinho é um santo remédio? (5);
f) pesquisa JB/Vox Populi revela que, para 64% dos cariocas, o maior problema que aflige o Estado é o caos na saúde (6);
g) o Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (CREMESP) está concluindo um processo que objetiva apurar denúncias de que 66 médicos legistas contribuíram para a manutenção da impunidade militar, no tempo da ditadura, falsificando laudos necroscópicos associados à morte de militantes políticos no período entre 1964 e 1979 (7);
h) a revista Isto É, uma das publicações mais prestigiadas e de maior tiragem do País, tem como matéria de capa uma reportagem especial sobre o erro médico, trazendo estatísticas que comprovam que uma em cada seis famílias brasileiras já esteve envolvida com este problema (8). Neste último caso, as cartas dos leitores publicadas na edição posterior legitimam a acusação e acrescentam novos nomes de médicos que "cometeram barbaridades" no exercício de sua profissão.

      O que salta aos olhos é que, na maioria destes casos, há médicos ou entidades da área respondendo pelas denúncias, o que afasta a hipótese de que se trata de uma operação orquestrada da imprensa para denegrir a imagem dos profissionais da saúde. Logo, se depender do que se pode observar pela mídia, a situação não é nada boa.
      Os fatos atuais conflitam com um dado, já comprovado por inúmeras pesquisas realizadas em nosso País: a de que a área de Medicina e Saúde é, com certeza, dentre as áreas especializadas a que maior atenção recebe da imprensa, evidentemente excluídos os cadernos de informática e de agricultura que têm apelo nitidamente comercial (9). Talvez nem haja mesmo uma contradição: como esta área é muito importante para a população, e como a crise na saúde brasileira não dá mais para esconder, os veículos resolveram partir para o ataque, com a cumplicidade de médicos e entidades. No fim das contas, assistimos, hoje, pela mídia, a uma formidável "lavagem de roupa suja".
      A imprensa faz o seu papel porque, apesar dos interesses que ela defende, mantém um compromisso com a opinião pública e, além disso, está provado: "cutucar" nesta área dá um IBOPE tremendo, como pôde ser constatado no caso do jornalista Celso Russomano que, após documentar a morte de sua esposa num hospital paulista e colocar-se ao lado do consumidor, obteve a maior votação para Câmara Federal em nosso País. Falar mal da saúde, nos dias atuais, faz muito bem para pessoas e veículos.
      O que talvez não se consiga entender é a posição da área médica e de suas que resolveram colocar de vez o dedo na ferida e, aproveitando a "deixa" da imprensa, estão enlameando a imagem, já desgastada, da nobre profissão Não que se defenda a mentira ou que se cultue a não transparência, mas parece que, neste momento, com certeza, está fervendo uma grande fogueira de vaidades, pois alguns destes fatos eram sabidos há algum tempo, mas apenas agora estão sendo canalizados, de uma só vez, para os meios de comunicação. A colaboração de profissionais da área com o regime militar, a corrupção no sistema de saúde, a degradação do ensino médico, com a proliferação de escolas, muitas delas envolvidas na CPI da corrupção que movimentou o Brasil e que, concretamente, não resultou em quase nada, a proletarização da carreira médica são fatos incontestáveis. Por que agora este turbilhão de denúncias? O que está efetivamente em jogo?

      Um diagnóstico cruel

      A imagem da classe médica e da própria Medicina parece estar indo por água abaixo, em virtude de inúmeros fatores estruturais, alguns deles apontados anteriormente, como a degradação do ensino, a proletarização da carreira e a corrupção que se alastra por todo o sistema de saúde. Mas, sobretudo, importa a ausência de porta-vozes que se coloquem em defesa da área, ainda que o ministro Adib Jatene (cuja imagem está acima de qual quer suspeita) se esforce para convencer o País da necessidade de mais um imposto para salvá-la da grande bancarrota.
      O esforço indômito do grande cirurgião brasileiro esbarra, no entanto na realidade: os hospitais estão à míngua, com corredores abarrotados de pacientes, e são pungentes as declarações de alguns médicos que chegaram a admitir a escolha dos doentes que devem ou não sobreviver, face à impossibilidade de salvá-los todos. Com certeza, o problema de imagem que afeta terrivelmente a área da saúde em nosso País tem uma estreita conotação política. À medida em que a profissão deixa de ser essencialmente liberal ou seja, quanto mais o médico se transforma em funcionário, seja do Estado, seja da Medicina de Grupo, menos ele se identifica com o seu próprio negócio, deixando transparecer uma perspectiva mercantilista da Medicina, exatamente aquela apontada pelo médico Nelson Senise, no seu artigo para o JB. A burocratização da área médica empurra-a para as mazelas do serviço público, este sim com uma imagem definitivamente degradada e nosso País, ou a associa à saúde enquanto negócio lucrativo e pouco ético.
      Muita gente tenderá também a ver nesta derrocada de imagem um sinal dos novos tempos, quando a busca do mágico, do esotérico e das terapias alternativas substitui a Medicina tradicional, identificada com velho paradigma da ciência que concilia, ostensivamente, a visão fragmentada e materialista do mundo e, em particular, do ser humano. Sobretudo a classe média parece estar optando pelos anjos, pelo tarot, numa retomada do místico e do curandeirismo, certamente desiludida com o receituário médico e com a própria vida. Por esse motivo, os livros de ciência e tecnologia (e sobre a Medicina em especial) perdem terreno para os anjos cabalísticos, alterando a política de editoras tradicionais, a programação das emissoras e os perfis dos entrevistados nos mais badalados "cara a cara" da TV brasileira.
      É possível também que alguns outros analistas de fim-de-semana, apesar de superficiais, não de todo equivocados, creditem esta degeneração da imagem à incapacidade de a Medicina atual, com todo o progresso técnico e o avanço do conhecimento específico, resolver problemas novos e que afligem a sociedade, como a emergência e a disseminação da AIDS, o aparecimento do ébola e o retorno de doenças tidas como erradicadas, como a cólera, por exemplo. Tudo em princípio conspira contra um conceito secular que associava o médico a um semideus, capaz de intervir, aqui na Terra para salvar os homens do fogo eterno.
      A imagem negativa que tipifica a classe médica tem a ver, portanto com a alteração drástica do seu perfil profissional e com uma conjugação de circunstâncias novas, e só poderá ser revertida, se os seus integrantes se dispuserem a empreender uma nova cruzada em favor da profissão. Tirar sujeira da roupa sim, mas importa, também, vestir de novo a camisa e apontar novos caminhos, evitando que a opinião pública chegue a um julgamento final, o que poderia significar, numa linguagem popular, atingir-se o fundo do poço. Para tanto, um esforço inaudito deve ser feito visando recuperar a imagem desgastada: certamente para isso inúmeras providências devem ser tomadas, com a participação ou não de comunicação.
      A classe médica partirá, para esta batalha em prol da imagem, com alguns trunfos importantes: no dia-a-dia, na privacidade do consultório, o médico (certamente o bom médico) goza de prestígio elevado junto à sua, clientela e, mais do que isso, ele é, efetivamente, um profissional indispensável porque é indispensável viver com saúde. A vida moderna atropela o cidadão comum e, mais do que nunca, pobres e ricos, estão às voltas com problemas de saúde, sejam eles derivados da fome, da pobreza e da ignorância, sejam eles fruto da solidão, do stress ou da depressão. Corações e mentes nunca estiveram tão pouco sadios e, por isso, a saúde. mais do que qualquer outra época, é hoje o patrimônio pessoal mais valorizado. Como o ser humano conscientizou-se de que é possível viver mais (a população de idosos cresce vertiginosamente em todo o mundo), anseia viver melhor A certeza de que, na maioria dos casos, se morre por omissão ou por imperícia, quer dizer, pelo descaso de profissionais e governantes, revolta o cidadãos, dentre eles os jornalistas que, pela sua faina diária, tomam contato com o drama humano, percorrendo prisões, favelas e hospitais.
      A explosão humana (e particularmente a explosão de doentes) põe a nu a vulnerabilidade do sistema e pinta, com tintas fortes, a imagem do homem (e a mulher) de saúde. O profissional liberal idealista, personalista e orgulhoso de seu trabalho, cede lugar ao funcionário burocrático, a serviço do Estado incompetente ou do mercantilismo selvagem, que, por acomodação ou alienação, resolve não cerrar fileiras para defender a imagem. Pelo contrário, com freqüência, recorre à mídia para fazer denúncias, como se não fizesse parte do sistema que condena. Ele se vale do mesmo artifício do professor (outra categoria já devastada pela imprensa e culpa o Governo (que na verdade tem culpa mesmo), esquecido de que o Governo não é uma entidade abstrata, mas o conjunto de todos aqueles que trabalham com ou para ele. A imagem negativa da classe médica é, pois, o resultado, ao mesmo tempo, de uma nova interpretação que o cidadão faz das coisas terrenas (em particular das alternativas para sua salvação) e de sua própria omissão (a da classe médica) face às amarguras do homem contemporâneo. Neste momento, a automedicação, a leitura das cartas de baralhos mágicos têm sido opções mais requisitadas do que o próprio consultório do especialista, talvez porque o ser humano esteja mais doente da alma do que do corpo e, sabidamente, o "doutor" não tem remédio para estes males.

      A terapêutica possível

      Dado um cenário tão dramático, será razoável imaginar uma saída? Certamente que sim. Os estudiosos de comunicação sabem que as imagens são feitas para serem criadas e destruídas e que a alma humana acomoda-se a estas mudanças. Os meios de comunicação elevaram Fernando Collor à condição de "imperador", para imolá-lo logo depois em praça pública, quando os interesses se somaram e a bandalheira não pode ser escondida debaixo do tapete.
      A classe médica, evidentemente, não chegou e não chegará, a nosso ver, a esta situação porque, como já mencionado, o médico mantém, apesar dos deslizes, a sua aura e porque, malgrado o número crescente de profissionais incompetentes e omissos, o "doutor" continua encarnando a figura do cidadão socialmente indispensável. A comunicação médico/paciente continua se realizando ao pé do ouvido, boca a boca, na consulta do dia-a- dia por aqueles que mantém o seu compromisso de se dedicar ao próximo, no eterno plantão em favor da vida.
      Mas, na sociedade da informação, o soar dos tambores, com sua força local indiscutível, tende a ser sufocada pela dimensão planetária do novo mundo da comunicação e, para vencer esta guerra pela imagem, duas providências são absolutamente obrigatórias:

      • reverter a situação atual, com uma autocrítica profunda sobre o ensino e a prática da Medicina, com a conseqüente depuração do contingente profissional e
      • valer-se dos modernos processos de comunicação para "limpar" uma imagem que vem sendo conspurcada ao longo dos últimos anos.

      No primeiro caso, urge que as entidades representativas da classe médica se unam com o objetivo de traçar um cenário realista da atuação da categoria, estabelecendo critérios de conduta e propugnando a defesa intransigente da ética profissional. O ensino precisa ser reavaliado, desde o seu conteúdo eminentemente técnico, que pouca atenção dá aos aspectos psicossociais até a visão fragmentada que a Medicina contemporânea tem do ser humano. É necessário - e isto tem sido repetido à larga e praticado muito pouco - privilegiar a saúde e não a doença, para que o médico de hoje não se acostume (e muitas vezes anseie) a ter pela frente um paciente que precisa ser curado (e que, preferivelmente, tenha condições de pagar pelo serviço). Neste novo paradigma que se desenha, forçado pela dinâmica da sociedade e pela mundialização da cultura, é preciso respeitar as novas propostas, ouvir os novos profetas e aprender com eles uma nova maneira de se relacionar com o seu público. O discurso fechado, corporativista, e a frieza do especialista diante dos problemas pessoais dos pacientes só contribuirão para empurrá-los (os pacientes) em direção a conteúdos místicos, aos templos evangélicos e aos charlatões que exorcizam males em troca de uma nova forma de dízimo moderno. No segundo caso, a classe médica precisa aparelhar-se para enfrentar a batalha da comunicação, convivendo, com humildade, com a mídia; propondo campanhas de esclarecimento e manipulando as formidáveis redes de comunicação eletrônica. Sobretudo, deve descer, sem vaidade, de seu pedestal para se ombrear com o homem comum e entender as suas angústias, num processo de comunicação horizontal que é sempre mais eficiente.
      A relação com os meios de comunicação deve ser transparente, pró-ativa, despida de preconceitos, numa tentativa de contribuir para que o fluxo de informações sobre saúde se intensifique e para que novos canais se abram em direção à sociedade.
      Ciclos de palestras, seminários de atualização para multiplicadores de opinião, como os jornalistas, e uma vasta literatura orientada para o público leigo devem fazer parte de uma estratégia ampla de recuperação da imagem que deve contemplar, também, o uso das novas tecnologias, como o sistema multimídia e as novas opções de interatividade. Até hoje, os softwares em CD-ROM que visam a disseminar informações sobre saúde para uma multidão de "leitores" ansiosos estão ainda em língua estrangeira, sem que empresas ou entidades da área demonstrem qualquer intenção no sentido de dotar o mercado de produtos nesta área.
      Mesmo as intervenções na mídia tradicional - jornais e revistas com o patrocínio de cadernos ou suplementos especiais - estão relegadas a algumas iniciativas isoladas que, embora mereçam aplausos, ainda carecem de maiores cuidados e, quase sempre, resvalam em interesses comerciais ou corporativos que empanam o mérito da boa intenção. Invariavelmente, falta à classe médica a consciência de que o mercado de comunicação é, hoje, apenas para profissionais e que o amadorismo e a improvisação não têm mais vez. A análise das estruturas de comunicação das nossas principais entidades, de muitas empresas farmacêuticas ou de convênios médicos, das secretarias de Saúde dos nossos municípios e estados e do próprio Ministério da Saúde, para não dizer dos hospitais e clínicas, comprova que ainda se engatinha nesta área.
      É verdade que algumas empresas da chamada medicina de grupo estão por aí, empregando verbas fabulosas em publicidade para atrair novos conveniados, "vendendo" helicópteros de resgate, mas, com certeza, esta não é a comunicação socialmente responsável, ou como preferem alguns, politicamente correta. Em primeiro lugar, porque a Medicina moderna não está conseguindo ao menos dar conta dos pacientes que estão sofrendo dentro de casa ou nas macas depositadas nos corredores dos hospitais e, finalmente, porque os planos de saúde populares excluem os exames mais corriqueiros exatamente aqueles que são feitos em terra e que, probabilisticamente são mais demandados.
      A Medicina de que se necessita, sobretudo num país pobre como nosso e com tamanha carência na área da saúde, com certeza, prescinde desta sofisticação, para não dizer que ela soa como ostentação para quem não dispõe dos medicamentos mais simples e mesmo de uma palavra de conforto.
      Algumas experiências no sentido de profissionalizar a comunicação na área da saúde estão sendo tomadas e, ainda incipientes, poderão no futuro, com o apoio de profissionais, empresas e entidade multiplicar-se e render bons frutos.
      Uma delas é a empreendida pelo Instituto Metodista de Ensino Superior que, há pouco mais de um ano, iniciou um programa de Comunicação Aplicada à Saúde, com o objetivo de chamar a atenção para a necessidade uma nova relação entre profissionais de saúde e comunicadores. Alguns trabalhos, em nível de especialização e mesmo nos cursos de pós-graduação, estão sendo desenvolvidos no momento (alguns já foram, inclusive concluídos) agregando profissionais das duas áreas -Comunicação e Saúde - num esforço de interação que merece elogios.
      Outra iniciativa está sendo patrocinada pela UNIMED Amparo, uma das cooperativas que integram o Sistema UNIMED, e consiste na montagem de uma agência de notícias - a InfoSaúde - para subsidiar com informações de saúde, condensadas em matérias jornalísticas, os nossos jornais de interior. Ligado a este esforço de comunicação que visa à educação para a saúde, tenho podido, com o apoio da UNIMED Amparo, realizar experimentos de comunicação, trabalhando conteúdo e forma, de modo a moldar o discurso jornalístico ao universo de conhecimentos do leigo que, sabidamente, consome com avidez os jornais locais. Num próximo estágio, se reconhecido este esforço e forem canalizados recursos de outras fontes, poder-se-á pensar na edição de material (impresso, audiovisual e adaptado às novas tecnologias) para público leigo num trabalho mais ambicioso de educação comunitária, que incluirá a montagem de um grande banco de dados.
      É preciso ressaltar, ainda, a experiência da Associação Paulista de Medicina que, há algum tempo, vem mantendo um suplemento no jornal Folha de São Paulo e realizando projetos de comunicação e educação voltados para o público leigo. Embora tímido (admite-se que um projeto inserido em uma mídia tão poderosa como a Folha de São Paulo, o jornal de maior tiragem do País, não seja barato), ele sugere caminhos a serem percorridos.
      No futuro, espera-se que estas iniciativas sejam seguidas e que alcancem também a mídia televisiva e radiofônica, com certeza as de maior penetração junto aos estratos menos favorecidos da população, e que a classe médica (e seus patrocinadores) se ocupem também de uma maior divulgação junto às escolas de primeiro e segundo graus.
      Este esforço de comunicação acarretará, indiscutivelmente, uma mudança da imagem da área médica, mesmo porque terá representado, no momento em que efetivamente se concretizar, uma mudança do próprio paradigma da atuação do profissional de saúde (e das entidades que o representam) em nosso País.
      Deve ficar claro, para que ninguém imagine ser possível apenas com textos e falas, ainda que transmitidos através de tecnologias modernas, modificar drasticamente um conceito, que um processo de comunicação só é eficiente, se respaldado pela realidade que reflete. Não adianta apelar para o espelho, se a figura a ser refletida não ajuda. A comunicação legítima se apóia na transparência. Fora deste modelo, nada se justifica. A imagem positiva da classe médica só será resgatada, quando ela própria tiver consciência das suas falhas e ousar saná-las. E este esforço só será reconhecido pela opinião pública, quando a área médica (aí incluídos os próprios médicos, as entidades e as empresas de toda ordem) for competente para comunicar esta mudança. Sem isto, a imagem da classe continuará sendo "operada" pela mídia. Uma operação lenta e dolorosa. Sem anestesia.

      Referências bibliográficas

1) GUEDES, Gilse. Conselho vai processar 19 médicos envolvidos no Rio. O Estado de S. Paulo. São Paulo, 02/08/95, p. A-10

2) BIANCARELLI, Aureliano. Médico acusa hospital de 200 mortes. Folha de São Paulo. São Paulo, 29/07/95, São Paulo, p.4

3) SENISE, Nelson. Emergências sinistras. Jornal do Brasil. Rio de Janeiro, 251071 95, p.9

4) JORNAL DO BRASIL. Médico é condenado a um ano. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 25/07/95, p.5

5) JORNAL DO BRASIL. Estudo sobre nutrição confunde leitor. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 26/07/95, p.6

6) JORNAL DO BRASIL. Hospital é o maior problema para o carioca. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 01/08/95, p.16

7) PEREIRA, Pablo Desaparecidos: ~ julga médicos. Jornal da Tarde. São Paulo, 01/08/95, p.6

8) GULLO Carla e VITÓRIA, Gisele. Até os deuses erram. Isto É. São Paulo, 26/07/ 95, p.86-91

9) Pode-se citar, entre outros pesquisadores, que atestaram a importância da área de Medicina e Saúde para o Jornalismo Científico, José Marques de Melo, Magali Izuwa e Wilson da Costa Bueno. Pesquisa desenvolvida, no primeiro semestre de 1995, por alunos do curso de pós-graduação em Jornalismo Científico do Instituto Metodista de Ensino Superior, de São Bernardo do Campo, também obteve o mesmo resultado, ou seja, o predomínio da informação sobre Medicina e Saúde na cobertura sobre ciência e tecnologia realizada, no ano de 1994, pelas revistas Veja e Isto É.

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OBS: Trabalho originalmente publicado no livro Imprensa e Saúde. O público que se dane, organizado por Boanerges Lopes e Josias Nascimento, Rio de Janeiro, Mauad, 1.996.

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*Wilson da Costa Bueno é jornalista, professor do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da UMESP e professor de Jornalismo da ECA/USP.

 
 
 
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