Volume 3
Número 4

20 de julho de 2006
 
 * Edição atual    
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          Ciência e Histórias em Quadrinhos, por Patrícia Simões Candido

           Waldomiro Vergueiro é doutor em Ciências da Comunicação pela Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, onde atua como professor e chefia o Departamento de Biblioteconomia e Documentação. É fundador e coordenador do NPHQ (Núcleo de Pesquisa de Histórias em Quadrinhos). Autor de vários livros nas suas diversas áreas de atuação e artigos sobre HQs em revistas especializadas nacionais e internacionais. Membro do Conselho Editorial e colaborador dos periódicos International Journal of Comic Art e Revista Latinoamericana de Estudios de la Historieta, além de contribuir para as matérias dos sites Omelete e Pop Corn.

Ciência & Comunicação: Como as suas áreas de atuação - a Biblioteconomia e as Histórias em Quadrinhos (HQ) se relacionam?

Waldomiro Vergueiro: A história em quadrinhos é um meio de comunicação importante, que está representado nas bibliotecas. Eu trabalho com a questão dos quadrinhos no ambiente das bibliotecas, isso me permite fazer a ligação entre as duas áreas em que atuo. Começar a carreira na área de comunicação faz com que me sinta bastante à vontade para trabalhar essas duas áreas em paralelo, tanto que, atualmente, sou o único professor da Escola (ECA) que é professor permanente em dois programas, o de Ciência da Informação e o de Comunicação.

Ciência & Comunicação: Como tem sido a aceitação do livro "Como usar as histórias em quadrinhos na sala de aula" publicado em 2005 pela Editora Contexto?

Waldomiro Vergueiro: A aceitação está sendo muito boa, o livro tem sido bastante utilizado, inclusive, fui convidado para Bienal do Livro do Ceará, em agosto de 2006, para falar com os professores sobre o tema. As HQ possuem a característica de serem utilizadas para a educação popular, para a educação cidadã. Existe toda uma linha de quadrinhos educacionais, mas muitas vezes o aspecto educacional se sobrepõe ao aspecto do entretenimento. A utilização da linguagem adequada, a criatividade na produção e a potencialização desse meio de comunicação são fundamentais neste processo e deste modo pode-se aprender através do entretenimento.

Ciência & Comunicação: Qual a relação existente entre a Ciência e as Histórias em Quadrinhos?

Waldomiro Vergueiro: As HQs também são um meio para a divulgação da ciência, existem histórias de ficção científica em quadrinhos que já divulgaram diversos conceitos e inovações científicas que, na época, não eram conhecidos do grande público, como a aerodinâmica dos foguetes do Flash Gordon, que foi depois utilizada pela NASA. O uso das HQ para divulgação científica, comprovadamente, traz benefícios, pois o leitor pode receber a informação de maneira leve, descontraída. A informação científica vem inserida na história.

Ciência & Comunicação: Como pode ser avaliada, qualitativa e quantitativamente, a divulgação científica pelos meios de comunicação? O espaço para divulgação é suficiente e a qualidade da cobertura é positiva?

Waldomiro Vergueiro: Qualitativamente, a divulgação científica é bastante desigual. Encontramos assuntos científicos tratados de maneira correta, transpondo a linguagem científica para a linguagem popular de modo aprofundado, mas também ocorrem tratamentos superficiais e com informações equivocadas. A informação não pode ser descaracterizada ou deturpada durante a passagem da linguagem especializada para a popular, ela deve manter suas características, ser fidedigna. O jornalista que trabalha com a divulgação científica deve ser bastante rigoroso neste sentido. Quantitativamente, acredito ser necessário fazer muito mais, nem todos os órgãos de imprensa têm seções específicas de divulgação científica, esse ainda é um trabalho a ser desenvolvido.

Ciência & Comunicação: Na sua opinião, por que a divulgação científica acontece em maior quantidade nas áreas exatas e biológicas? Existe uma falta de interesse pela divulgação na área de humanas?

Waldomiro Vergueiro : Para o grande público e para editores de uma maneira geral as ciências são exatas e biológicas. É natural, ao se pensar em ciências, visualizar um cientista com um avental branco, dentro de um laboratório, trabalhando ao microscópio ou dissecando um cadáver. O cientista social, o psicólogo e o profissional da informação também são cientistas, têm um trabalho científico que ainda não chegou ao grande público e aos leitores. Felizmente, a divulgação da área de humanas tem avançado, podemos encontrar seções específicas de educação e sociologia, mas o espaço é ainda insatisfatório.

Ciência & Comunicação: E quanto à cobertura de C&T (Ciência e Tecnologia) pelos meios de comunicação, quais problemas podem ser identificados? Como poderiam ser resolvidos ou minimizados esses problemas?

Waldomiro Vergueiro : O grande problema é a dificuldade na transposição da linguagem. Quando o jornalista não compreende a linguagem do cientista ele perde informação ao transcrever a mensagem. Essa questão pode ser resolvida com a capacitação do jornalista, no sentido de organizar melhor a sua entrevista, buscar mais fontes e trabalhar melhor na redação. Disciplinas específicas na universidade e cursos de especialização são boas opções, na ECA, já há vários anos, existe o Curso de Especialização em Divulgação Científica, destinado a profissionais com formação superior e interessados em projetos de divulgação científica. A procura pelo curso é grande, temos jornalistas e outros profissionais que buscam formas de divulgar o conhecimento de modo a ser compreendido pelo público em geral.

Ciência & Comunicação: Como pode ser avaliado o relacionamento entre jornalistas e pesquisadores ou cientistas no Brasil?

Waldomiro Vergueiro : É necessário, pois é preciso que haja um mediador. O jornalista como divulgador científico deve ser um jornalista especializado em divulgação e também em determinada área científica, para conhecer as linguagens desta área. Existem cientistas que também foram jornalistas, entre eles o Professor José Reis, com uma vida dedicada ao trabalho de divulgação científica, escrevia com uma linguagem acessível e foi um cientista que conseguiu transformar-se num divulgador, mas estes exemplos são pouco comuns, pois o cientista tem dificuldade em elaborar um texto mais simples. A linguagem hermética também é um indicador de poder, representa domínio e superioridade em relação a um conhecimento que é exclusivo, significa fazer parte de um grupo restrito.

Ciência & Comunicação: Existe uma Lista Negra de jornalistas científicos, aqueles pra quem se dá entrevista uma única vez?

Waldomiro Vergueiro: Pode acontecer, houve uma época em que um colega meu, só dava uma entrevista sob a condição de o jornalista submeter-lhe a matéria, antes da publicação. Mas isso também é uma coisa difícil, pois o ritmo de um jornal não permite isso, o jornalista não pode ficar aguardando por uma aprovação e o pesquisador ou o entrevistado também não podem ficar disponíveis para ler e aprovar uma matéria assim que ela chega.

Ciência & Comunicação: Como o senhor vê a formação do jornalista científico no Brasil? Existem cursos de especialização suficientes e de bom nível educacional?

Waldomiro Vergueiro: Especializações são pouco oferecidas, certamente é necessário um maior número. Essa especialização não é importante apenas para aqueles que estão se formando e optando pelo jornalismo científico, é importante também para os profissionais já formados, pois os jornais valorizam os jornalistas especializados. Inicialmente, na área de História em Quadrinhos, qualquer jornalista fazia a matéria e às vezes falava besteira, mas aos poucos ia se familiarizando com a área, se informando, hoje temos dois ou três jornalistas que realmente entendem sobre HQ.

Nem sei se ainda existe um jornalismo geral, a própria divisão de cadernos nos jornais e a segmentação das revistas, como mecânica, jardinagem e história, apontam para a especialização. Quando o jornalista domina a linguagem que está tratando, ele tem seu trabalho facilitado.

Ciência & Comunicação: Qual a sua avaliação sobre a divulgação das universidades e dos centros de pesquisa no Brasil? Julga que elas têm uma estrutura de comunicação adequada para divulgar os seus resultados de pesquisa?

Waldomiro Vergueiro: A divulgação é muito importante e existe um trabalho, mas não podemos dizer que chegou ao ponto ideal, está caminhando, comparando-se com 30 anos atrás se percebe o avanço. Podemos ver um esforço no desenvolvimento dessas estruturas, a USP tem uma coordenadoria de comunicação social que se preocupa com isso e faz um trabalho interessante tanto no Jornal do Campus quanto na Rádio USP.

Embora tenhamos universidades como a USP e grandes instituições como o IPT, preocupadas com essa questão, também temos outras tantas, que simplesmente fazem a divulgação, sem ter estrutura para isso, às vezes fazendo mais mal do que bem.

Ciência & Comunicação: A maioria das pessoas quando pensa em pesquisa em universidades a associa imediatamente às universidades públicas. E quanto às universidades privadas, qual a sua opinião sobre a divulgação científica?

Waldomiro Vergueiro: O grande centro de pesquisa no Brasil são as universidades públicas, 75% das pesquisas brasileiras são feitas em instituições públicas. A USP é responsável por 25% das pesquisas neste país, e apesar de todos os seus defeitos, e são vários, ainda é um espaço onde se pode pensar, pesquisar.

Nas universidades privadas confessionais a pesquisa e a divulgação são assuntos sérios, como na PUC, que, infelizmente, fechou há pouco tempo vários cursos de pós-graduação. O que acontece em muitas delas é que, no momento em que o curso não dá o lucro esperado, eles são encerrados. Nas universidades públicas não há uma ligação direta com a lucratividade, o pesquisador pode se dedicar a um tema, às vezes muito específico, sem que seja pressionado a obter um resultado a curto prazo; já a universidade privada exige esse resultado num espaço de tempo muito curto, mas a pesquisa não traz resultado imediato, ele ocorre sempre a longo prazo.

Ciência & Comunicação: Que veículos jornalistas científicos brasileiros o senhor destacaria? Que instituições e/ou centros de pesquisa, na sua opinião, desenvolvem um bom trabalho de comunicação?

Waldomiro Vergueiro: Quanto aos jornalistas, eu prefiro não mencionar, acredito que aqueles que seguem o modelo do professor José Reis são os melhores. Quanto às instituições diria que a USP, o IPT e a Fundação Oswaldo Cruz estão fazendo um bom trabalho, do qual ouvimos falar, e a Petrobrás também tem um trabalho interessante de divulgação de seus projetos. As grandes empresas estão desenvolvendo esse processo de divulgação e as universidades federais precisam se dedicar um pouco mais ao assunto.

Ciência & Comunicação: Qual a diferença na divulgação científica feita pelas grandes empresas ou corporações daquela feita pelas universidades?

Waldomiro Vergueiro: As grandes empresas e corporações e as grandes empresas de pesquisa têm um outro tipo de relação com o grande público, existe a questão do que pode ou não ser divulgado, pois afetaria a estratégia da empresa em relação ao mercado.

O compromisso da universidade é com a ciência, com a divulgação do conhecimento, não existe o objetivo do lucro direto, o lucro é indireto. As instituições de pesquisa particulares fazem a pesquisa com o objetivo do lucro, mas estão dispostas a investir para ter retorno em longo prazo, elas sabem que em 10 anos elas vão recuperar seu investimento multiplicado. As empresas comerciais normalmente esperam pelo retorno imediato, querem investir 500 hoje e receber 550 no fim do mês.

Ciência & Comunicação: Como o senhor avalia a preparação e a disposição do pesquisador/cientista para um trabalho de parceria com a imprensa no processo de divulgação científica?

Waldomiro Vergueiro: Se por um lado, algumas vezes, o jornalista não tem o preparo necessário, por outro, o pesquisador nem sempre consegue transmitir minimamente aquilo que pretende, pois o pesquisador tem um vocabulário próprio. Acredito ser mais fácil que o jornalista venha a compreender o vocabulário do pesquisador, do que o pesquisador se comunicar de maneira simples. Muitas vezes os pesquisadores podem nem perceber o nível de complexidade que atingem, podem ser pessoas brilhantes, mas é difícil entender o que dizem. Mas alguns conseguem, como foi o caso de Milton Santos, um geógrafo que escreveu textos muito profundos, com uma linguagem extremamente fluida e compreensível.

Ciência & Comunicação: O senhor já teve experiências concretas com jornalistas. Como o senhor avalia estes contatos?

Waldomiro Vergueiro: Nunca tive problemas com jornalistas. É claro que as entrevistas podem ser cansativas, principalmente quando ocorre filmagem, pois neste caso sempre há exigências, algumas vezes são frustrantes, falamos durante um longo tempo, grava-se uma hora de conversa, para que seja aproveitado apenas um minuto. O oposto também já aconteceu: o jornalista fazia as perguntas e eu deveria respondê-las em 45 segundos, mas o engraçado é que o jornalista demorava a perguntar, ficava 10 minutos perguntando e depois contava os segundos da minha resposta. Ele tinha até um cronômetro, respondi a todas as perguntas no tempo pedido. O jornalista disse que ficou bom, espero que tenha ficado e espero que ele não volte. É mais simples quando podemos falar à vontade e depois é feita a edição. Quem trabalha com ciência precisa fazer muitas relações para chegar ao ponto que deseja explicar e isso significa mais tempo falando.

Ciência & Comunicação: Já se arrependeu de alguma declaração publicada em uma entrevista?

Waldomiro Vergueiro: Já cheguei a pensar que poderia não ter dito algumas coisas, que exagerei em algumas declarações, mas já não era possível voltar atrás e não cheguei a me arrepender. Os jornalistas gostam dessas afirmações contundentes, eles não perdem a chance de publicar. Outro caso é quando publicam algo que você não disse, já aconteceu comigo, algo que eu jamais falaria, que tenho certeza de não ter dito, foi publicado em uma entrevista. Mas não adianta se preocupar muito, isso tudo faz parte do processo.

Ciência & Comunicação: Já teve uma boa surpresa em relação a alguma entrevista ou matéria realizada com o senhor?

Waldomiro Vergueiro: Sim, uma entrevista da qual pensei que seria utilizada apenas uma parte, como é costume, foi publicada integralmente: o jornalista gostou do resultado da entrevista e publicou uma página inteira. É sempre muito bom quando isso acontece.

 

 
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